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Desabafos,,

Da vida não quero muito. Quero apenas saber que tentei tudo o que quis, tive tudo o que pude, amei tudo o que valia a pena e perdi apenas o que, no fundo, nunca foi meu.

Desabafos,,

Da vida não quero muito. Quero apenas saber que tentei tudo o que quis, tive tudo o que pude, amei tudo o que valia a pena e perdi apenas o que, no fundo, nunca foi meu.

Arriba Franco, más alto que Carrero Blanco

M. Martins, 20.12.23

Arriba Franco, más alto que Carrero Blanco! – 20-12-1973 – 50.º aniversário

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Há meio século, Luis Carrero Blanco era presidente do Governo espanhol, cúmplice do maior genocida ibérico de sempre, Francisco Franco, e seu previsível sucessor.

À saída da missa, bem rezado, comungado e incensado, graças a 100 quilos de Goma-2, colocados no túnel dedicadamente construído pela ETA, o carro blindado que o esperou foi projetado a uma altura de cinco andares, deixando-o mais perto do Céu.

Na queda, o carro caiu no pátio do convento contíguo à igreja que frequentava. Nunca foi tão santa e desejada a morte de um carrasco. Jamais um almirante voara tão alto. E o júbilo ressoou dos dois lados da fronteira ibérica, “Arriba Franco más alto que Carrero Blanco!”, frase que logo nasceu para ser escrita nas paredes e sussurrada por antifascistas.

Já em democracia, muitos anos depois, ainda os juízes espanhóis, oriundos de madraças da Falange, puniam quem fizesse humor com a morte de Franco ou de Carrero Blanco, facínoras que deixaram um rasto de sangue e ódio.

Para se perceber o júbilo pela morte de tão hediondo e pio governante, o único que não esperou para ser chamado pela Providência, é preciso recordar a guerra civil espanhola (1936/39) tempo de horrores, dos dois lados da barricada. Mas foi um golpe de Estado que derrubou o governo eleito, e o general cuja sedição foi designada ‘cruzada’, pelo papa de turno, iniciou a feroz ditadura fascista que Hitler, Mussolini e Salazar apoiaram.

Não bastou a carnificina da guerra. Os fuzilamentos prosseguiram, durante vários anos, nas praças de touros e nas ruas onde os falangistas abatiam republicanos suspeitos. Os próprios Tribunais, às ordens do ditador, condenavam à morte e mandavam garrotar.

Em Madrid, o delinquente Francisco Franco, que servira às ordens do general mutilado, Millán Astray, autor do grito ‘Viva la muerte!’, continuou a matar adversários através de milícias fascistas que os esperavam. O seu diretor espiritual, Escrivà de Balager, que fundou o Opus Dei, estagiou nessa função para a futura canonização.

Os crimes contra a Humanidade não prescrevem, mas em Espanha, com a cumplicidade do PP de Aznar, a amnistia permitiu que não fossem julgados e, só agora, começaram as investigações das valas comuns para onde foram atirados os republicanos assassinados.

Não venham os moralistas do costume a azucrinar os que então se regozijaram e quem se sentiu sempre solidário com as vítimas, contra os algozes.

Viva España!

(Publicação de

Carlos Esperança 

FC, 20-12-23)

 

 

 

 

Carta ao Dr Nuno

M. Martins, 11.12.23

Carta ao Dr. Nuno. Obrigado, Dr. Nuno. Não se amofine.

Caro Dr. Nuno, é recente o conhecimento da sua existência, e estimo-o como se fosse de longa data a convivência, excelso o seu comportamento e recíproca a simpatia.

 

Talvez por isso me indignei quando ouvi o principal heterónimo do seu papá a atribuir-lhe, na SIC, “um comportamento inaceitável” por ter seguido os passos do progenitor. 

Se o Dr. Miguel, meu filho, me enviasse um email a pedir ajuda para algum amigo seu, logo lhe telefonaria para saber como podia ser útil, sem enviar o email para outra pessoa e se, por acaso, me criasse problemas, jamais deixaria de falar ao filho ou, muito menos, mandaria alguém censurá-lo em público.

Dr. Nuno, não há na sua conduta nada de reprovável. Quis ser útil a um amigo e cliente. É natural. Ninguém nega favores ao papá. Reprovável é o comportamento para consigo.

Não se amofine se ele não lhe falar, ele que fala demasiado com toda a gente e teve uma conversa lamentável com a Dr.ª Lucília que parece receber ordens de um sindicato e tem dificuldades comunicacionais. Dr. Nuno, não calcula o que sucedeu nessa reunião em que o papá e a tal senhora escreveram um parágrafo que atingiu a honra de um estadista e a credibilidade do País. As ondas de choque ainda não pararam.

Pode o papá atirar para o Dr. Nuno a responsabilidade das suas leviandades, mas não se indigne. Já o deve conhecer e sabe como é exímio a sacudir a água do capote, como se diz deste lado do Atlântico.

As pessoas estranham que se distancie do filho, já o Dr. Ricardo Espírito Santo se há de queixar do mesmo. Há quem não mereça os amigos que tem. O papá é assim.⁵

A amizade que perdeu será trocada pelo carinho do País. O papá é pouco confiável, mas passou a vida a construir cenários e a tecer intrigas, mantendo uma enorme popularidade mediática, como se fosse confiável. 

Se não fosse o Dr. Nuno, nunca mais interrompia o ciclo de conspirações, marca da sua identidade. O país deve-lhe o desmascaramento.

 

Obrigado, Dr. Nuno.

 

(Carlos Esperança )

 

AS GERAÇÕES FUTURAS NÃO IRÃO ENTENDER  

M. Martins, 26.11.23

 

ANTÓNIO FILIPE  - Membro do Comité Central do PCP e professor universitário - 23 de Outubro de 2023

As gerações futuras não irão entender como foi possível que os governos dos seus países apoiassem o genocídio do povo palestiniano, cercado, privado de tudo o que é essencial à vida e massacrado indiscriminadamente por um Estado que ocupou ilegalmente o seu território

Quando um dia mais tarde for desmantelado o regime de apartheid vigente em Israel e os povos de Israel e da Palestina puderem viver lado a lado em paz e com fronteiras seguras, muitas pessoas vão interrogar-se como foi possível que, no ano de 2023, os poderes dominantes dos seus países (económico, mediático e político) tenham apoiado o genocídio do povo palestiniano em violação não só de todas as regras do direito internacional, mas também dos mais elementares princípios humanitários.

As pessoas não vão compreender como foi possível que, um Estado pária que nunca respeitou nem uma das cerca de 140 resoluções das Nações Unidas relativas aos direitos do povo palestiniano, um Estado que assume publicamente e com total despudor que nunca aceitará a solução de dois Estados e que não só ocupa militarmente cerca de 90% do território da Palestina como transforma os restantes 10% numa prisão a céu aberto onde os palestinianos são desapossados das suas casas e haveres, são presos, humilhados e assassinados pelo livre arbítrio dos ocupantes; tenha tido sempre o apoio, acrítico e indefetível, de Governos de países que se reivindicam defensores dos direitos humanos.

As pessoas não vão deixar de olhar para Gaza com o mesmo horror com que hoje se olha para o gueto de Varsóvia, e assim como após o holocausto e a Segunda Guerra Mundial as pessoas se interrogaram como foi possível que outras pessoas cometessem tamanhos crimes e houvesse pessoas que, sabendo, o apoiaram, assim olharão para o massacre da população de Gaza cometido em 2023 e interrogar-se-ão como foi possível.

O ataque perpetrado pelo Hamas contra o território de Israel foi condenado em todo o mundo, por quem, sendo solidário com o povo da Palestina, sabe que ações como essa não contribuem para a defesa dos seus direitos e que, sendo de repudiar precisamente pelo que são enquanto ações de violência praticadas contra civis, dão aos ocupantes o pretexto para, a título de resposta, desencadear ações de retaliação indiscriminada contra a população.

Num espaço exíguo de cerca de 40 quilómetros de comprimento por 10 quilómetros de largura, que foi transformado há muitos anos por Israel numa prisão a céu aberto e onde vivem, nas mais miseráveis condições, cerca de dois milhões de seres humanos, Israel lança milhares de toneladas de bombas, destrói habitações, escolas, templos religiosos, corta a água, a eletricidade, a comida, o combustível, inviabiliza a ajuda humanitária, e continua incessantemente a bombardear.

Os bombardeamentos de Israel contra Gaza matam homens, mulheres e crianças, muitas crianças, bombeiros que procuram socorrer as vítimas, pessoal das Nações Unidas e do Crescente Vermelho Internacional, jornalistas, e quando entendem que o horror passa dos limites inventam umas patranhas para acusar as vítimas de se autoinfligirem por engano, sabendo à partida que os seus fiéis aliados fingirão que acreditam.

Se aquilo a que estamos a assistir na Palestina não é um genocídio, não sei o que é um genocídio.

Perante o que se está a passar, e em face do imenso clamor de protesto que vai alastrando pelo mundo, não só entre os países muçulmanos mas mesmo na Europa e nos Estados Unidos onde gigantescas manifestações de solidariedade com o povo palestiniano vão tendo lugar, começa a ser cada vez mais difícil às lideranças europeias manter o apoio acrítico a Israel, e lá vão concedendo que matar as pessoas à fome e à sede ou bombardear hospitais não é conforme com o direito internacional, mas os mesmos que são tão pressurosos a impor sanções e boicotes em todos os continentes, não lhes passa pela cabeça impor a Israel mais do que um suave lamento de que – coisa pouca - não estão a cumprir o direito internacional.

As gerações futuras não vão compreender e a História não os absolverá.

 

M. Martins, subscrevo. 

 

Que raio de País é este?

M. Martins, 26.11.23

Que raio de País é este?

Marcelo PR, líder incontestado da direita e facilitador da aliança com a extrema-direita, fez jogo perigoso com a PGR para levar à demissão do PM e, depois da conversa com o PM, ainda não divulgada no Expresso, comprometeu o Banco de Portugal através dos danos colaterais ao Governador com a vichyssoise confecionada para dissolver a AR.

Paulo Rangel, eurodeputado do PSD, foi a Madrid discursar na manifestação de protesto da direita e extrema-direita contra a tomada de posse do PM Pedro Sanchez. Terminou apelando à resistência nas ruas contra o Governo legal, na demostração do que a direita mais truculenta é capaz. (Rangel foi o homem de mão do PR contra Rui Rio).

Um dos candidatos que a direita dá como derrotado na corrida à liderança do PS, já é calorosamente defendido pelos cúmplices do golpe de Estado que levou à demissão do PM por usar os seus argumentos na campanha eleitoral em curso.

Hoje, doze dias depois de a PGR ter demitido o PM através do afrontoso parágrafo de um comunicado mantém-se em funções, com o PR a agradecer-lhe a dissolução da AR.

Não podendo a direita e a extrema-direita agradecer ao PR a situação caótica que criou para as levar ao poder, responsabilizam a vítima pela leviandade da decisão do algoz.

Marcelo, enredado nos cenários que traçou para derrubar o PM, não hesitou em pôr na sua boca o pedido do conciliábulo com a PGR, pedido notoriamente falso.

E foi precisa a conjugação da aventureira dissolução da AR e do desmascaramento da mentira sobre a reunião com a PGR para poupar os portugueses à presença do PR nos telejornais desde há dois dias.

Que raio de país é este?

(C E)

Eu, que sou feio, sólido, leal,

M. Martins, 24.10.23

Boa noite, volto ao vosso contacto 'visitando"  Cesário Verde

 

A ti, que és bela, frágil, assustada,

Quero estimar-te, sempre, recatada

Numa existência honesta, de cristal.

Sentado à mesa dum café devasso,

Ao avistar-te, há pouco, fraca e loura,

Nesta Babel tão velha e corruptora,

Tive tenções de oferecer-te o braço.

E, quando socorreste um miserável,

Eu, que bebia cálices d’absinto,

Mandei ir a garrafa, porque sinto

Que me tornas prestante, bom, saudável.

«Ela aí vem!» disse eu para os demais;

E pus-me a olhar, vexado e suspirando,

O teu corpo que pulsa, alegre e brando,

Na frescura dos linhos matinais.

Via-te pela porta envidraçada;

E invejava, — talvez que não o suspeites! —

Esse vestido simples, sem enfeites,

Nessa cintura tenra, imaculada.

Ia passando, a quatro, o patriarca.

Triste eu saí. Doía-me a cabeça;

Uma turba ruidosa, negra, espessa,

Voltava das exéquias dum monarca.

Adorável! Tu muito natural,

Seguias, a pensar no teu bordado;

Avultava, num largo arborizado,

Uma estátua de rei num pedestal.

Sorriam nos seus trens os titulares;

E ao claro sol, guardava-te, no entanto,

A tua boa mãe, que te ama tanto,

Que não te morrerá sem te casares!

Soberbo dia! Impunha-me respeito

A limpidez do teu semblante grego;

E uma família, um ninho de sossego,

Desejava beijar sobre o teu peito.

Com elegância e sem ostentação,

Atravessavas branca, esbelta e fina,

Uma chusma de padres de batina,

E d’altos funcionários da nação.

«Mas se a atropela o povo turbulento!

Se fosse, por acaso, ali pisada!»

De repente, paraste embaraçada

Ao pé dum numeroso ajuntamento.

E eu, que urdia estes fáceis esbocetos,

Julguei ver, com a vista de poeta,

Uma pombinha tímida e quieta

Num bando ameaçador de corvos pretos.

E foi, então, que eu, homem varonil,

Quis dedicar-te a minha pobre vida,

A ti, que és ténue, dócil, recolhida,

Eu, que sou hábil, prático, viril.

Título: O Livro de Cesário Verde

Autor: Cesário Verde

 

 

 

 

 

 

 

 

 

A ALMA MÁ DE SETSUAN

M. Martins, 26.09.23

Isabel Jonet – A ALMA MÁ DE SETSUAN

Isabel Jonet, presidente e fundadora do Banco Alimentar, disse, há dias, que os pobres têm uma “tendência natural para gastar o dinheiro malgasto” e propôs ensiná-los a não gastar de uma só vez os 125 euros atribuídos pelo Governo.

Admirou-se quem ignorava que, há dez anos, já mostrara o seu espanto ao constatar que muitos pobrezinhos ousavam comer bife quando lhes faltava o básico.
***
Há 80 anos, Bertolt Brecht contou-nos a história de três deuses que vieram à Terra à procura de uma alma boa e que encontraram na prostituta Chen Tê, que os acolheu, a alma que procuravam. Foi assim, graças ao encontro de uma única alma boa que os deuses desistiram de acabar com a porcaria cuja criação lhes atribuem.

Com uma tabacaria, a prostituta conseguiu ser esmoler ao mesmo tempo que apareciam os oportunistas que dela se aproveitavam e a exploravam. Acabou por inventar a figura masculina de um alegado primo, Chui Ta, vestindo-se de homem, engrossando a voz e tornando-se má para se livrar dos parasitas. E é nesta alternância dialética entre Chen Tê e Chui Ta, que a peça de Brecht se desenrola.

Diga-se de passagem, que Chen Tê, na noite que acolheu os deuses, deixou de atender um cliente para fazer a sua boa ação.

Não sei porque me lembrei hoje desta peça e da personagem principal. Há associações por semelhança, contraste e proximidade, e ignoro qual foi a que me trouxe à memória a dramaturgia de Brecht.

Talvez a região da milenária China onde viveu Chen Tê seja no multissecular Portugal a zona de Cascais e as tias que vivem na proximidade da paradisíaca baía se aproximem da versão masculina de Chen Tê.

Isabel Jonet não precisou do balcão de uma tabacaria para socorrer os pobres. Ganhou a presidência do Banco Alimentar contra a Fome para exercer a caridadezinha com um olho na sopa e outro na quantidade que os pobres devoram, porque a barriga de pobre é um buraco que não enche e a sua fome insaciável. Um conjunto de pobres é um bando de porcos, capazes de comerem bifes diários, mastigados com ruído e de boca aberta, sem agradecerem aos benfeitores nem terminarem com uma prece ao bom Deus.

Hoje, a D. Isabel Jonet é a Presidente da Federação Portuguesa dos Bancos Alimentares Contra a Fome e da ENTRAJUDA. As provas do merecimento estão aí no cristalino pensamento da devota senhora, esmoler e ideóloga do Partido Cidadania e Democracia Cristã (PPV/CDC, aprovado pelo Tribunal Constitucional em 1 de julho de 2009 sob a designação de Portugal pró-Vida (PPV), desde 2020 fundido com o Chega.

Em Portugal há fome, e o Banco Alimentar é uma instituição que satisfaz a crente, que mostra, perante os deuses que andam por aí, que a bondade é apanágio da condição social e a sopa a marca cristã que precisa de pobres para que as tias ganhem o Paraíso.

Estimo cada vez mais as prostitutas.

...

M. Martins, 19.09.23

AMOR DE PERDIÇÃO “LEGALIZADO”

O Largo “Amor de Perdição” é na cidade do Porto e pretende, certamente lembrar Camilo Castelo Branco e a sua romântica coroa de glória “Amor de Perdição”, romance escrito em quinze dias na Cadeia da Relação, do Porto, onde Camilo cumpria pena pelo crime de adultério praticado com Ana Plácido, “vitimando” a sociedade em que se integravam.
Era a época dos amores proibidos e das tragédias de coração, romantismo português exposto aos ventos de 1861, numa espécie de disfarce monogâmico que não recolhia adeptos, mas antes transformava em drama as paixões proibidas entre famílias desavindas.
Camilo interpretou factos, mas valeu – se de si próprio e da história da sua família, para lançar, na maré cheia das letras, um romance de cortar à faca, muito bem escrito, mas de estrutura pouco consistente em comparação com outras obras do mesmo autor.
No entanto foi o que mais vingou e originou adaptações várias (para cinema e televisão) que fizeram de Simão Botelho, de Teresa Albuquerque e de Mariana, símbolos dos amores proibidos e das paixões impossíveis, espraiando -se em lenda por Coimbra, Viseu e Porto, com ecos de êxito em todo o país.
“O Amor de Perdição” e Camilo Castelo Branco voltaram agora às primeiras notícias de jornais, rádios e televisões, pelos piores motivos, ao saber – se que o presidente do município portuense tinha acedido a um abaixo – assinado de trinta e sete individualidades, no sentido de mandar retirar a escultura, da autoria de Francisco Simões, que interpreta “O Amor de Perdição” de Camilo, colocada no largo com o mesmo nome há onze anos atrás!...
Ou seja: ficaria o Largo sem “Amor de Perdição” ou o “Amor de Perdição” seria posto ao largo e arquivado nas catacumbas camarárias, por entre desperdícios e trastes velhos.
Francisco Simões não merecia o insulto. Camilo Castelo Branco não viria a tempo de reescrever o livro censurado desta forma, nem ele o faria. E o povo da cidade, não justificaria a provação.
Simão Botelho morreu a caminho de Goa. Teresa de Albuquerque morreu no convento. E a estátua de Francisco Simões morreria às mãos de um puritanismo doentio de indivíduos que, ou não leram a obra, ou entenderam (mal) que Camilo não era, ele próprio, a figura principal do “Amor de Perdição”.
Rui Moreira, presidente da Câmara Municipal do Porto reverteu a sua decisão inicial de aceder ao abaixo – assinado das trinta e sete “personalidades” e baseando – se numa desculpa legalista resolveu manter a estátua no local. Mas só por isso. Pelo legalismo de uma decisão camarária.
Por mim, sinto dó dos que não sabem, dos iletrados, dos falsos moralistas, dos deturpadores da vida e dos que andam pelo Mundo a fingir o que não são.
FERNANDO CORREIA
(Autor e Jornalista)

 

como estou totalmente de acordo com o Fernando tomei a liberdade de "roubar" o seu texto

 

 

 

Texto que me foi enviado

M. Martins, 29.11.22

 

 

A última Aula de um Grande Professor que desistiu de dar aulas a péssimos alunos.

 

”Às vezes ouço passar o vento; e só de ouvir o vento passar, vale a pena ter nascido”

 

Leonardo Haberkorn, jornalista e escritor, era professor numa universidade de Montevideo. Corre na internet um artigo seu publicado em papel, em 2015, com o título "Me cansé... me rindo...", onde declara ter deixado o ensino, que antes o apaixonava, e explica porquê.

 

Tomámos a liberdade de o traduzir, pois, por certo, ele tocará muitos professores e directores de escolas portuguesas. Desejável é que tocasse instâncias superiores e, de modo mais alargado, a sociedade.

 

 "Depois de muitos e muitos anos, hoje dei a última aula na Universidade.

 

Cansei-me de lutar contra os telemóveis, contra o whatsapp e contra o facebook. Ganharam-me. Rendo-me. Atiro a toalha ao chão.

 

Cansei-me de falar de assuntos que me apaixonam perante jovens que não conseguem desviar a vista do telemóvel que não pára de receber selfies.

 

Claro que nem todos são assim. Mas cada vez são mais

 

Até há três ou quatro anos a advertência para deixar o telemóvel de lado durante 90 minutos, ainda que fosse só para não serem mal-educados, ainda tinha algum efeito.

 

Agora não. Pode ser que seja eu, que me desgastei demasiado no combate. Ou que esteja a fazer algo mal.

 

Mas há algo certo: muitos desses jovens não têm consciência do efeito ofensivo e doloroso do que fazem. Além disso, cada vez é mais difícil explicar como funciona o jornalismo a pessoas que o não consomem nem vêem sentido em estar informadas.

 

Esta semana foi tratado o tema Venezuela. Só uma estudante entre 20 conseguiu explicar o básico do conflito. O muito básico. O resto não fazia a mais pequena ideia. Perguntei-lhes (...) o que se passa na Síria? Silêncio. Que partido é mais liberal ou que está mais à 'esquerda' nos Estados Unidos, os democratas ou os republicanos? Silêncio. Sabem quem é Vargas Llosa? Sim!

 

Alguém leu algum dos seus livros? Não, ninguém! Lamento que os jovens não possam deixar o telemóvel, nem na aula. Levar pessoas tão desinformadas para o jornalismo é complicado.

 

É como ensinar botânica a alguém que vem de um planeta onde não existem vegetais. Num exercício em que deviam sair para procurar uma notícia na rua, uma estudante regressou com a notícia de que se vendiam, ainda, jornais e revista na rua.

 

Chega um momento em que ser jornalista é colocar-se na posição do contra. Porque está treinado a pôr-se no lugar do outro, cultiva a empatia como ferramenta básica de trabalho.

 

E então vê que estes jovens, que continuam a ter inteligência, simpatia e afabilidade, foram enganados, a culpa não é só deles. Que a incultura, o desinteresse e a alienação não nasceram com eles.

 

Que lhes foram matando a curiosidade e que, com cada professor que deixou de lhes corrigir as faltas de ortografia, os ensinaram que tudo é mais ou menos o mesmo. Então, quando compreendemos que eles também são vítimas, quase sem darmos conta vamos baixando a guarda.

 

E o mau é aprovado como medíocre e o medíocre passa por bom, e o bom, as poucas vezes que acontece, celebra-se como se fosse brilhante. Não quero fazer parte deste círculo perverso. Nunca fui assim e não serei assim.

 

O que faço sempre fiz questão de o fazer bem. O melhor possível. E não suporto o desinteresse face a cada pergunta que faço e para a qual a resposta é o silêncio. Silêncio. Silêncio. Silêncio. Eles queriam que a aula terminasse. Eu também."

 

“Talvez o pior de tudo isto, seja o facto de aqueles alunos irem ser Adultos amanhã, sem terem crescido nem amadurecido, cheios de Direitos, sem Deveres nem Responsabilidade… alguns até Políticos ou Governantes”

 

 

 

O homem precisa da Natureza para sobreviver, 

 

mas a Natureza não precisa do homem para nada...!

É destas pessoas isentas, ainda que de outra cor clubista, é destas que eu gosto, são elas que gosto de ouvir, é delas que gosto de dispensar algum esforço da minha débil visão para ler coisas com sentido, muito sentido!!

M. Martins, 28.09.22

POSTAL DO DIA 

 

Taremi está a arriscar a vida – não me falem de penaltis 

 

1.

Por estes dias, um jogador iraniano do FC. Porto tem ocupado as primeiras páginas do jornalismo.  

 

Horas de debates televisivos a discutir sobre se Taremi é ou não um ladrão de penalties. 

 

O presidente da Câmara do Porto chamou idiota a um repórter por este ter ousado fazer uma pergunta ao jogador. 

 

Sérgio Conceição recusou-se a prestar declarações em solidariedade com a perseguição mediática a Taremi. 

 

Nas redes sociais marcaram-se duelos e sessões de cabeçada ao nascer do Sol. Há alucinados à beirinha de um colapso nervoso, de um enfarte ou de um AVC por causa de Taremi – uns porque mergulha e engana os árbitros, outros por estar a ser perseguido por malandros que desejam o mal do Porto.  

 

2.

Para muitos, o futebol é uma questão de vida ou de morte. 

 

Mas para Taremi há coisas um bocadinho mais importantes. 

 

O respeito pela vida humana. 

A coragem de respeitar a sua consciência. 

O valor da solidariedade. 

 

Sim, Taremi tornou-se uma bandeira no protesto contra a morte de Mahsa Amini, uma jovem de 22 anos, espancada às mãos da tenebrosa “polícia da moralidade”. 

 

A rapariga curda cometera um crime terrível: tinha o seu véu islâmico malposto em plena rua. Foi por isso levada para um qualquer lugar e ficou em coma durante três dias. 

 

Amini resistiu três dias. 

 

E após a sua morte as ruas do Irão encheram-se de mulheres em protesto contra um Estado demencial, contra o modo indigno como são tratadas. 

 

Nos protestos morreram mais de trinta pessoas. O regime iraniano, o regime dos “Ayatollah’s”, reprimiu as manifestações. 

 

E tem ameaçado de prisão. 

Tem ameaçado de tortura. 

Tem ameaçado de morte quem se revolta. 

 

4.

Taremi, estrela maior do futebol iraniano, figura amada pelo povo persa, podia estar calado e não fazer comentários, mas não. 

 

Sabendo os riscos que pode correr, sabendo das ameaças à sua própria família, Taremi quis ainda assim prestar solidariedade para com as mulheres do Irão e para com a morte da jovem Amini. 

 

Na sua página de Instagram trocou a sua fotografia por uma imagem do território iraniano coberto de negro. 

 

Influenciou com sucesso outros jogadores a seguirem-lhe o exemplo.  

E já antes, no jogo com o Estoril, usara um punho negro em sinal de luto. 

 

5.

Alguns que me ouvem ou leem sabem que sou do Benfica. 

 

Um bocadinho doente, confesso. 

Entusiasmado com esta época, admito. 

 

Mas não me venham falar dos mergulhos de Taremi - quero lá saber se se faz ao penalty ou não. 

 

O que sei, o que tenho a certeza, é que Taremi é uma pessoa enorme, um homem com uma coragem e uma retidão de princípios que o distingue da maioria. 

 

É muito fácil abrirmos a boca e dizermos umas coisas. 

O difícil é arriscar a vida em nome de uma consciência de bem, de uma espinha direita. 

 

Arriscar a vida. 

Não ceder às ameaças. 

Poder deixar de jogar na seleção, poder colocar em causa a sua família mais próxima, poder ser preso. 

 

6.

Taremi sabe que tudo isso passou a ser uma possibilidade.  

 

Porque ele não é um anónimo que se revolta numa rua de Teerão. Ele é uma estrela e um dos mais amados iranianos. 

 

O que ele diz tem consequências. 

 

É por isso que ao defender a jovem Amini, ao atacar a repressão do governo do seu país e a cegueira moral dos “Ayatollah’s”, Taremi sabe que está a arriscar no limite a sua própria vida. 

 

Não me falem de piscinas ou de penaltis.

Ele está para lá disso – Taremi é um homem exemplar, uma pessoa inteira e admirável.

 

LO

Obrigado  Luis Osório 

Da Viuvez

M. Martins, 09.09.22

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Como a discrição era o seu forte , o meu marido faleceu sem aborrecer  ninguém . Não  foi necessário chamar o médico porque não houve doença: a meio do jantar suspendeu serenamente os talheres por cima dos filetes com arroz de grelos , olhou para mim com a  ternura do costume,  pegou-me na mão , e disse

----Alice

o que me surpreendeu um bocado  por não  me chamar Felicidade , sorriu-me , deixou de sorrir,

aterrou de queixo no cestinho do pão e chegou já cadáver aos papos secos da véspera dado que por ser dia de limpezas não tive tempo de ir às compras . Não houve despesas em doutores nem em medicamentos , os filetes voltaram ao congelador e quanto aos papos secos torrei-os , pus-lhes um bocadinho de compota de framboesa e comi-os com chá na noite do velório. Com a fraqueza com que eu estava , souberam-me lindamente.  

Não foi necessário chamar o médico, o agente funerário não suou muito a tirar o pijama do finado e a vestir-lhe o fato castanho visto o meu marido , que nunca foi um homem rígido , dobrar os braços e as pernas com uma submissão exemplar e às quatro da tarde já estava na câmara ardente B-2 da Igreja dos Anjos , engraxadinho e penteado , todo composto , com uma cruz  nos dedos , comigo e com a minha irmã  Alice em cadeiras de assento de veludo encarnado a pormos a conversa em dia que como isto anda , cheias de trabalho e de complicações , nem temos tempo para telefonar uma à  outra e só nos vemos quando o rei faz anos .Ela achou-me com boas cores , eu gabei-lhe o lenço de seda do pescoço , o meu marido a assistir calado 

(sempre assistiu calado quando nós falávamos como se não estivesse ali )

e pela primeira vez desde que o conheço não se pôs a espiar as pernas da Alice a pensar que eu não  o via nem tentou passar-lhe a mãozinha  na nádega quando me apanhou de costas a cumprimentar a viúva da câmara  B-3

cujo defunto só aceitou o caixão depois de meses e meses de despesas enormes numa clínica particular em soros , radiografias e algálias , uma dessas pessoas esbanjadoras incapazes de  entenderem que a vida está pela hora da morte e que não se ralam de deixar quem cá  fica a tinir   sem dinheiro para uma excursão  a Espanha , onde se diz que há uns rapazes generosos e novos   com o sentido da solidariedade humana , que consolam a gente por meia dúzia de pesetas em discotecas e outros lugares de culto que por acaso não se me dava conhecer.

 Tirando a minha irmã e eu não veio mais ninguém: não possuo cunhados nem primos , o meu marido nunca foi sociável e limitava-se a sair duas horas à  tarde , com um saco de milho no bolso , para um passeio solitário na Baixa e uma visita aos pombos do Camões , de modo que a minha irmã e eu   esgotada a conversa , ficámos caladas em frente  da urna até que me lembrei da agonia por cima dos filetes , informei a minha irmã 

------  Sabes que ele disse Alice ao aterrar nos papos secos ?

ela corou como uma ameixa agarrada ao lenço de seda do pescoço , um lenço de ramagens  óptimo que tomara eu um igual

----- Alice 

eu

-----Alice imagina vá-se lá saber porquê 

a minha irmã de pé com uma expressão esquisita 

---- Aguenta um minuto que  vou lá fora apanhar ar

e isto foi há três meses e nunca mais a vi ao natural mas dei com ela ontem , ao abrir por acaso a gaveta da secretaria  do meu marido à  procura da tesoura das unhas quando encontrei um envelope  de fotografias deles dois abraçados , e o meu marido de cartuxo de milho para os pombos na mão e a minha irmã de lenço de seda do pescoço , a sorrirem-se diante da estátua do Camões .Talvez fossem amigos . Eram de certeza só amigos e as cartas que acompanhavam as fotografias , uma delas a agradecer o lenço e a prometer Hei-de vestir-me só com ele quando vieres cá  a casa meu leão adorado e outra que acabava A tua Alice que te morde não significavam mais do que uma brincadeira de cunhados apesar das das pernas dela e da mãozinha na nádega . (A minha irmã é  uma  rapariga expansiva)

( aos vinte e seis anos toda a gente é  expansiva)

e sem maldade nenhuma e o meu marido um homem como deve ser .Talvez por isso eu vá sentir-me de certeza um bocadinho culpada quando no verão for a Espanha de autocarro numa excursão de senhoras sozinhas e entrar numa discoteca com um homem  simpático a pedir-me ao ouvido , entre repenicos de beijos ,

que lhe empreste pesetas para pagar a conta por , que maçada , ter esquecido a carteira em casa dos pais .

 

António Lobo Antunes