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Desabafos,,

Da vida não quero muito. Quero apenas saber que tentei tudo o que quis, tive tudo o que pude, amei tudo o que valia a pena e perdi apenas o que, no fundo, nunca foi meu.

Desabafos,,

Da vida não quero muito. Quero apenas saber que tentei tudo o que quis, tive tudo o que pude, amei tudo o que valia a pena e perdi apenas o que, no fundo, nunca foi meu.

O Sonho,,,

M. Martins, 28.09.21

 

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Sonho. Não sei quem sou neste momento.
Durmo sentindo-me.Na hora calma 

Meu pensamento esquece o pensamento,


Minha alma não tem alma.
Se existo é um erro eu o saber. Se acordo
Parece que erro. Sinto que não sei.
Nada quero nem tenho nem recordo.


Não tenho ser nem lei.
Lapso da consciência entre ilusões,
Fantasmas me limitam e me contêm.
Dorme insciente de alheios corações,
Coração de ninguém.

Fernando Pessoa, 6-1-1923

 

Cinquenta anos

M. Martins, 28.09.21

Cinquenta anos

Rubrica "Cidadania Impura", de Valter Hugo Mãe.

Ouço as conversas nas esplanadas e fico convencido de que ser jovem agora, no que ao uso do corpo diz respeito, é uma glória infinita.

Era uma porcaria entrar nos filmes pornográficos do Sá da Bandeira porque aquilo cheirava mal e os velhos não podiam ver rapazes de vinte anos. Metiam medo. A única vez que entrei, não durei ali mais do que uns minutos. Cismei de não sentar em cadeira nenhuma porque pareciam molhadas e toda a gente andava de um lado para o outro como na praça a ginasticar as pernas. Tudo muito escuro e cheio de cortinas vermelhas nas portas para que a luz exterior não queimasse a imagem.

Tenho a impressão de que o Porto destas urgentes decadências acabou. Não vejo putas em lado nenhum. Estou convencido de que as aplicações de telefone para encontros descomplicaram a vida aos famintos. Por toda a parte, todas as pessoas são manifestos de desejo. Não é mais necessária a criação do universo paralelo dos pervertidos. A perversão é livre.

Ontem, completei cinquenta anos de idade e estou sobretudo perplexo. Julgo que o Governo devia telefonar a quem chega a esta idade para congratular e informar acerca do que os cientistas sabem acerca da sobrevivência a partir de agora. Porque eu estou no espanto. Tudo me parece de outro tempo que não o meu, porque tudo me apressa a envelhecer. Ainda que o corpo ainda se mantenha debaixo de tonificantes e hidratantes, penteados e roupas de corte gracioso, a tecnologia e os costumes parecem obrigar-me à velhice, à coisa caduca de nunca estarmos atempados com o que há, acontece, viraliza e a juventude adora. Estamos sempre sem saber aquilo que, afinal, a juventude é ou faz.

Vou almoçar uma francesinha e deixar-me poligâmico ao sol ainda bom do outono que começa. Enquanto isso, leio a biografia de Dante e prometo aos amigos jantares que nem tenho condições de fazer. A minha casa está para obras, nem cozinha tem. Calha bem. Mais espaço sobra para dançar ao embalo malcriado dos engates. Toda a gente me diz para esquecer a pandemia. A pandemia vai agora ser por dentro das cabeças. Não esquecerei, mas é verdade que já me falta deitar o corpo ao Mundo. Ir buscá-lo mais tarde, como quem chama o cão que correu a tarde inteira atrás dos pardais. Que a vida não pode ser toda adiada. E amar foi sempre uma travessia alegre pela orla do abismo. Importa sobretudo que venham mais cinquenta com a mesma impressão de maravilha com que sobro depois de tanta alegria e tristeza.

 

(O autor escreve de acordo com a anterior ortografia)

Trago-te

Poema inédito de Alice Coelho

M. Martins, 26.09.21

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Trago-te 

No meu olhar
Na solidão dos dedos
Na sombra que se faz
O silêncio das manhãs
O brilho das madrugadas

E deixo tudo para trás.

Trago-te
No meu pensamento
Nos sonhos em desalinho
Na claridade que se desfaz
Nos sorrisos boquiabertos
Nas mãos cheias de nada
E deixo tudo para trás

Trago-te
No meu coração
Sem pressas num poema
Com as emoções ao vento
No gesto debruado de paz
Com desejos sem lamento
E deixo tudo para trás

Deixo-te
Num tempo sem tempo
De palavras apressadas
No andar de passo lento
E poesias amaldiçoadas
Trago-te

Pérola solta,,

José Régio

M. Martins, 14.09.21

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Sem que eu a esperasse, Rolou aquela lágrima No frio e na aridez da minha face. Rolou devagarinho..., Até à minha boca abriu caminho. Sede! o que eu tenho é sede! Recolhi-a nos lábios e bebi-a. Como numa parede Rejuvenesce a flor que a manhã orvalhou, Na boca me cantou, Breve como essa lágrima, Esta breve elegia.

Um homem bom, o meu Presidente

Partilho por estar plenamente de acordo (Artigo do Daniel Oliveira publicado no Expresso)

M. Martins, 13.09.21

Só por duas vezes votei convictamente num candidato vencedor. Nas eleições presidenciais de 1996, quando venceu o futuro Presidente da República Cavaco Silva, e para a Câmara Municipal de Lisboa, em 1989, na primeira vez que tive direito ao voto, quando venceu o futuro Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa. As duas vezes foram no mesmo homem: Jorge Sampaio. Também foi por ele que participei na minha única campanha eleitoral vencedora, a que o elegeu como Presidente da República. Fi-lo por total confiança no caráter de um homem bom, sério e com os valores no lugar.

Não concordei com todas as decisões de Jorge Sampaio. Como autarca, deixou grande parte do planeamento feito para quem lhe quisesse dar continuidade. Mas nem sempre teve o arrojo de vencer os bloqueios que permitiriam levar à prática a cidade que pensou – e, desde o 25 de Abril, foi o único presidente da CML que realmente a pensou.

Como Presidente, fez tudo para evitar o envolvimento de Portugal na guerra do Iraque, depois de Durão Barroso ter abusivamente colado o seu nome no apoio português a essa aventura. Mas deu posse a um arremedo de governo de Santana Lopes, permitindo que nesse adiamento de umas eleições inevitáveis as forças mais obscuras derrubassem Ferro Rodrigues da forma mais ignóbil que a nossa democracia já conheceu e abrindo caminho para José Sócrates. Acertou e errou, como acontece a quem faz política para além das proclamações de intenções.

Sei do seu passado, nas lutas estudantis contra a ditadura, de que foi um dirigente destacado como secretário-geral da Reunião Inter-Associações Académicas (RIA). Sei o que era o seu presente, dirigindo estruturas que fomentaram o diálogo entre culturas, como a plataforma Global para os Estudantes Sírios (de que conheço beneficiários concretos) e o Alto Representante para a Aliança das Civilizações, uma instituição da ONU que teve o diálogo entre o Ocidente e o mundo islâmico como alternativa ao choque de civilizações que os neoconservadores impuseram como olhar sobre o mundo. Com acertos e erros, que só não comete quem paira sobre a vida cívica, esteve sempre do lado certo da luta e do diálogo.

Diz-se muitas vezes que António Costa foi o primeiro a juntar a esquerda. Não lhe quero tirar qualquer mérito da “geringonça” e muito menos fazer comparações deselegantes e deslocadas para esta hora. Mas isso aconteceu numa coligação pré-eleitoral, em que Sampaio juntou, no boletim de voto, PS e PCP, coisa impensável até então. Já conseguira o apoio de toda a esquerda na sua candidatura à Presidência. Isso não foi possível apenas como gesto tático inevitável ou por mera reação a uma ofensiva política. Foi possível porque era fácil apoiá-lo. Isso também correspondia a algumas das suas fragilidades, que o levavam a não ser polarizador. Mas, em quase tudo, a enormíssimas qualidades. Muito poucos podem apresentar, em simultâneo, o seu currículo democrático e ético. Como escreveu Fernanda Mestrinho, “tão sério como Eanes, antifascista como Soares”.

Jorge Sampaio já não era deste tempo, em que fazer política é lidar com um ódio viral que envenena todos os debates. Onde já nem a doença e a morte calam os alarves. Ele, o Presidente dos afetos, não se daria bem com esta lama que inunda a democracia. Era um homem bom. E a coisa não está fácil para eles. Foi, até ao último dos seus dias e sem desprimor para os que o antecederam e sucederam, o meu Presidente.

Para sempre

Um ano de saudade

M. Martins, 08.09.21

Para Sempre

Por que Deus permite que as mães vão-se embora? Mãe não tem limite, é tempo sem hora, luz que não apaga quando sopra o vento e chuva desaba, veludo escondido na pele enrugada, água pura, ar puro, puro pensamento. Morrer acontece com o que é breve e passa sem deixar vestígio. Mãe, na sua graça, é eternidade. Por que Deus se lembra - mistério profundo - de tirá-la um dia? Fosse eu Rei do Mundo, baixava uma lei: Mãe não morre nunca, mãe ficará sempre junto de seu filho e ele, velho embora, será pequenino feito grão de milho.

(Carlos Drummond de Andrade