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Desabafos,,

Da vida não quero muito. Quero apenas saber que tentei tudo o que quis, tive tudo o que pude, amei tudo o que valia a pena e perdi apenas o que, no fundo, nunca foi meu.

Desabafos,,

Da vida não quero muito. Quero apenas saber que tentei tudo o que quis, tive tudo o que pude, amei tudo o que valia a pena e perdi apenas o que, no fundo, nunca foi meu.

A ALMA MÁ DE SETSUAN

M. Martins, 26.09.23

Isabel Jonet – A ALMA MÁ DE SETSUAN

Isabel Jonet, presidente e fundadora do Banco Alimentar, disse, há dias, que os pobres têm uma “tendência natural para gastar o dinheiro malgasto” e propôs ensiná-los a não gastar de uma só vez os 125 euros atribuídos pelo Governo.

Admirou-se quem ignorava que, há dez anos, já mostrara o seu espanto ao constatar que muitos pobrezinhos ousavam comer bife quando lhes faltava o básico.
***
Há 80 anos, Bertolt Brecht contou-nos a história de três deuses que vieram à Terra à procura de uma alma boa e que encontraram na prostituta Chen Tê, que os acolheu, a alma que procuravam. Foi assim, graças ao encontro de uma única alma boa que os deuses desistiram de acabar com a porcaria cuja criação lhes atribuem.

Com uma tabacaria, a prostituta conseguiu ser esmoler ao mesmo tempo que apareciam os oportunistas que dela se aproveitavam e a exploravam. Acabou por inventar a figura masculina de um alegado primo, Chui Ta, vestindo-se de homem, engrossando a voz e tornando-se má para se livrar dos parasitas. E é nesta alternância dialética entre Chen Tê e Chui Ta, que a peça de Brecht se desenrola.

Diga-se de passagem, que Chen Tê, na noite que acolheu os deuses, deixou de atender um cliente para fazer a sua boa ação.

Não sei porque me lembrei hoje desta peça e da personagem principal. Há associações por semelhança, contraste e proximidade, e ignoro qual foi a que me trouxe à memória a dramaturgia de Brecht.

Talvez a região da milenária China onde viveu Chen Tê seja no multissecular Portugal a zona de Cascais e as tias que vivem na proximidade da paradisíaca baía se aproximem da versão masculina de Chen Tê.

Isabel Jonet não precisou do balcão de uma tabacaria para socorrer os pobres. Ganhou a presidência do Banco Alimentar contra a Fome para exercer a caridadezinha com um olho na sopa e outro na quantidade que os pobres devoram, porque a barriga de pobre é um buraco que não enche e a sua fome insaciável. Um conjunto de pobres é um bando de porcos, capazes de comerem bifes diários, mastigados com ruído e de boca aberta, sem agradecerem aos benfeitores nem terminarem com uma prece ao bom Deus.

Hoje, a D. Isabel Jonet é a Presidente da Federação Portuguesa dos Bancos Alimentares Contra a Fome e da ENTRAJUDA. As provas do merecimento estão aí no cristalino pensamento da devota senhora, esmoler e ideóloga do Partido Cidadania e Democracia Cristã (PPV/CDC, aprovado pelo Tribunal Constitucional em 1 de julho de 2009 sob a designação de Portugal pró-Vida (PPV), desde 2020 fundido com o Chega.

Em Portugal há fome, e o Banco Alimentar é uma instituição que satisfaz a crente, que mostra, perante os deuses que andam por aí, que a bondade é apanágio da condição social e a sopa a marca cristã que precisa de pobres para que as tias ganhem o Paraíso.

Estimo cada vez mais as prostitutas.

...

M. Martins, 19.09.23

AMOR DE PERDIÇÃO “LEGALIZADO”

O Largo “Amor de Perdição” é na cidade do Porto e pretende, certamente lembrar Camilo Castelo Branco e a sua romântica coroa de glória “Amor de Perdição”, romance escrito em quinze dias na Cadeia da Relação, do Porto, onde Camilo cumpria pena pelo crime de adultério praticado com Ana Plácido, “vitimando” a sociedade em que se integravam.
Era a época dos amores proibidos e das tragédias de coração, romantismo português exposto aos ventos de 1861, numa espécie de disfarce monogâmico que não recolhia adeptos, mas antes transformava em drama as paixões proibidas entre famílias desavindas.
Camilo interpretou factos, mas valeu – se de si próprio e da história da sua família, para lançar, na maré cheia das letras, um romance de cortar à faca, muito bem escrito, mas de estrutura pouco consistente em comparação com outras obras do mesmo autor.
No entanto foi o que mais vingou e originou adaptações várias (para cinema e televisão) que fizeram de Simão Botelho, de Teresa Albuquerque e de Mariana, símbolos dos amores proibidos e das paixões impossíveis, espraiando -se em lenda por Coimbra, Viseu e Porto, com ecos de êxito em todo o país.
“O Amor de Perdição” e Camilo Castelo Branco voltaram agora às primeiras notícias de jornais, rádios e televisões, pelos piores motivos, ao saber – se que o presidente do município portuense tinha acedido a um abaixo – assinado de trinta e sete individualidades, no sentido de mandar retirar a escultura, da autoria de Francisco Simões, que interpreta “O Amor de Perdição” de Camilo, colocada no largo com o mesmo nome há onze anos atrás!...
Ou seja: ficaria o Largo sem “Amor de Perdição” ou o “Amor de Perdição” seria posto ao largo e arquivado nas catacumbas camarárias, por entre desperdícios e trastes velhos.
Francisco Simões não merecia o insulto. Camilo Castelo Branco não viria a tempo de reescrever o livro censurado desta forma, nem ele o faria. E o povo da cidade, não justificaria a provação.
Simão Botelho morreu a caminho de Goa. Teresa de Albuquerque morreu no convento. E a estátua de Francisco Simões morreria às mãos de um puritanismo doentio de indivíduos que, ou não leram a obra, ou entenderam (mal) que Camilo não era, ele próprio, a figura principal do “Amor de Perdição”.
Rui Moreira, presidente da Câmara Municipal do Porto reverteu a sua decisão inicial de aceder ao abaixo – assinado das trinta e sete “personalidades” e baseando – se numa desculpa legalista resolveu manter a estátua no local. Mas só por isso. Pelo legalismo de uma decisão camarária.
Por mim, sinto dó dos que não sabem, dos iletrados, dos falsos moralistas, dos deturpadores da vida e dos que andam pelo Mundo a fingir o que não são.
FERNANDO CORREIA
(Autor e Jornalista)

 

como estou totalmente de acordo com o Fernando tomei a liberdade de "roubar" o seu texto