AS GERAÇÕES FUTURAS NÃO IRÃO ENTENDER
ANTÓNIO FILIPE - Membro do Comité Central do PCP e professor universitário - 23 de Outubro de 2023
As gerações futuras não irão entender como foi possível que os governos dos seus países apoiassem o genocídio do povo palestiniano, cercado, privado de tudo o que é essencial à vida e massacrado indiscriminadamente por um Estado que ocupou ilegalmente o seu território
Quando um dia mais tarde for desmantelado o regime de apartheid vigente em Israel e os povos de Israel e da Palestina puderem viver lado a lado em paz e com fronteiras seguras, muitas pessoas vão interrogar-se como foi possível que, no ano de 2023, os poderes dominantes dos seus países (económico, mediático e político) tenham apoiado o genocídio do povo palestiniano em violação não só de todas as regras do direito internacional, mas também dos mais elementares princípios humanitários.
As pessoas não vão compreender como foi possível que, um Estado pária que nunca respeitou nem uma das cerca de 140 resoluções das Nações Unidas relativas aos direitos do povo palestiniano, um Estado que assume publicamente e com total despudor que nunca aceitará a solução de dois Estados e que não só ocupa militarmente cerca de 90% do território da Palestina como transforma os restantes 10% numa prisão a céu aberto onde os palestinianos são desapossados das suas casas e haveres, são presos, humilhados e assassinados pelo livre arbítrio dos ocupantes; tenha tido sempre o apoio, acrítico e indefetível, de Governos de países que se reivindicam defensores dos direitos humanos.
As pessoas não vão deixar de olhar para Gaza com o mesmo horror com que hoje se olha para o gueto de Varsóvia, e assim como após o holocausto e a Segunda Guerra Mundial as pessoas se interrogaram como foi possível que outras pessoas cometessem tamanhos crimes e houvesse pessoas que, sabendo, o apoiaram, assim olharão para o massacre da população de Gaza cometido em 2023 e interrogar-se-ão como foi possível.
O ataque perpetrado pelo Hamas contra o território de Israel foi condenado em todo o mundo, por quem, sendo solidário com o povo da Palestina, sabe que ações como essa não contribuem para a defesa dos seus direitos e que, sendo de repudiar precisamente pelo que são enquanto ações de violência praticadas contra civis, dão aos ocupantes o pretexto para, a título de resposta, desencadear ações de retaliação indiscriminada contra a população.
Num espaço exíguo de cerca de 40 quilómetros de comprimento por 10 quilómetros de largura, que foi transformado há muitos anos por Israel numa prisão a céu aberto e onde vivem, nas mais miseráveis condições, cerca de dois milhões de seres humanos, Israel lança milhares de toneladas de bombas, destrói habitações, escolas, templos religiosos, corta a água, a eletricidade, a comida, o combustível, inviabiliza a ajuda humanitária, e continua incessantemente a bombardear.
Os bombardeamentos de Israel contra Gaza matam homens, mulheres e crianças, muitas crianças, bombeiros que procuram socorrer as vítimas, pessoal das Nações Unidas e do Crescente Vermelho Internacional, jornalistas, e quando entendem que o horror passa dos limites inventam umas patranhas para acusar as vítimas de se autoinfligirem por engano, sabendo à partida que os seus fiéis aliados fingirão que acreditam.
Se aquilo a que estamos a assistir na Palestina não é um genocídio, não sei o que é um genocídio.
Perante o que se está a passar, e em face do imenso clamor de protesto que vai alastrando pelo mundo, não só entre os países muçulmanos mas mesmo na Europa e nos Estados Unidos onde gigantescas manifestações de solidariedade com o povo palestiniano vão tendo lugar, começa a ser cada vez mais difícil às lideranças europeias manter o apoio acrítico a Israel, e lá vão concedendo que matar as pessoas à fome e à sede ou bombardear hospitais não é conforme com o direito internacional, mas os mesmos que são tão pressurosos a impor sanções e boicotes em todos os continentes, não lhes passa pela cabeça impor a Israel mais do que um suave lamento de que – coisa pouca - não estão a cumprir o direito internacional.
As gerações futuras não vão compreender e a História não os absolverá.
M. Martins, subscrevo.