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Desabafos,,

Da vida não quero muito. Quero apenas saber que tentei tudo o que quis, tive tudo o que pude, amei tudo o que valia a pena e perdi apenas o que, no fundo, nunca foi meu.

Desabafos,,

Da vida não quero muito. Quero apenas saber que tentei tudo o que quis, tive tudo o que pude, amei tudo o que valia a pena e perdi apenas o que, no fundo, nunca foi meu.

Eu, que sou feio, sólido, leal,

M. Martins, 24.10.23

Boa noite, volto ao vosso contacto 'visitando"  Cesário Verde

 

A ti, que és bela, frágil, assustada,

Quero estimar-te, sempre, recatada

Numa existência honesta, de cristal.

Sentado à mesa dum café devasso,

Ao avistar-te, há pouco, fraca e loura,

Nesta Babel tão velha e corruptora,

Tive tenções de oferecer-te o braço.

E, quando socorreste um miserável,

Eu, que bebia cálices d’absinto,

Mandei ir a garrafa, porque sinto

Que me tornas prestante, bom, saudável.

«Ela aí vem!» disse eu para os demais;

E pus-me a olhar, vexado e suspirando,

O teu corpo que pulsa, alegre e brando,

Na frescura dos linhos matinais.

Via-te pela porta envidraçada;

E invejava, — talvez que não o suspeites! —

Esse vestido simples, sem enfeites,

Nessa cintura tenra, imaculada.

Ia passando, a quatro, o patriarca.

Triste eu saí. Doía-me a cabeça;

Uma turba ruidosa, negra, espessa,

Voltava das exéquias dum monarca.

Adorável! Tu muito natural,

Seguias, a pensar no teu bordado;

Avultava, num largo arborizado,

Uma estátua de rei num pedestal.

Sorriam nos seus trens os titulares;

E ao claro sol, guardava-te, no entanto,

A tua boa mãe, que te ama tanto,

Que não te morrerá sem te casares!

Soberbo dia! Impunha-me respeito

A limpidez do teu semblante grego;

E uma família, um ninho de sossego,

Desejava beijar sobre o teu peito.

Com elegância e sem ostentação,

Atravessavas branca, esbelta e fina,

Uma chusma de padres de batina,

E d’altos funcionários da nação.

«Mas se a atropela o povo turbulento!

Se fosse, por acaso, ali pisada!»

De repente, paraste embaraçada

Ao pé dum numeroso ajuntamento.

E eu, que urdia estes fáceis esbocetos,

Julguei ver, com a vista de poeta,

Uma pombinha tímida e quieta

Num bando ameaçador de corvos pretos.

E foi, então, que eu, homem varonil,

Quis dedicar-te a minha pobre vida,

A ti, que és ténue, dócil, recolhida,

Eu, que sou hábil, prático, viril.

Título: O Livro de Cesário Verde

Autor: Cesário Verde

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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